O ritmo de desvalorização do peso, a moeda argentina, frente ao dólar vem perdendo força. Depois de uma queda de 78,2% em 2023, retraiu-se mais 12,1% neste ano, segundo dados da plataforma de investimentos Investing.com. O real tem uma queda um pouco menor, 11%, influenciado fortemente por ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) às necessidades de contas públicas mais saudáveis e à política monetária conduzida pelo Banco Central.
Enquanto a Argentina, mergulhada em uma crise originária do passado peronista e que deve se refletir em uma queda de 2,5% no PIB, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI) neste ano, está arrumando as contas públicas, o Brasil vai no sentido contrário.
A Argentina vem registrando superávits primários (quando as receitas superam as despesas, excluídas as com juros da dívida pública) há cinco meses. O Brasil não registra um desde abril. A última sequência de cinco meses seguidos com resultados positivos nas contas públicas foi entre dezembro de 2021 e abril de 2022, mostram dados do Banco Central (BC).
Não há sinalização de corte de gastos no Brasil
O Brasil vive uma deterioração nas contas públicas sem que o governo sinalize disposição para cortes de gastos. O cenário teve complicadores nas últimas semanas, levando o dólar a ser negociado a R$ 5,70 no dia 2, por causa de ruídos políticos e declarações de Lula.
Desde que assumiu o governo em dezembro do ano passado, o presidente Javier Milei vem promovendo mudanças que estão consolidando um ajuste próximo a 4% do PIB. Obras públicas foram cortadas; órgãos estatais foram extintos ou reduzidos; o financiamento às províncias foi suspenso; funcionários públicos foram demitidos.
“Milei está tentando colocar a Argentina de volta aos trilhos. Conseguiu aprovar medidas de corte de salários, de redução de ministérios. No Brasil, o governo tem acelerado o gasto público”, diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.
“O Brasil entrou no vermelho nas contas públicas já em 2014. Este governo fez essa aposta de gastar desde a PEC da transição [que permitiu um aumento de R$ 180 bilhões no Orçamento da União]. Em algum momento essa conta vai chegar e vai ser muito grande.”
Segundo dados do Banco Central, o setor público consolidado teve um déficit primário (sem os juros da dívida) de R$ 280 bilhões, ou 2,43% do PIB no acumulado de 12 meses até maio. O déficit nominal alcançou os R$ 1,1 trilhão, ou 9,56% do PIB, o maior resultado negativo da série histórica, iniciada em 2002.
Cenário cria perspectivas de risco maior para o Brasil
Luan Aral, especialista em câmbio da Genial Investimentos, afirma que as metas fiscais são um dos fundamentos do tripé macroeconômico que deveriam ser priorizados pelo governo brasileiro. “[O presidente] Lula deveria olhar com carinho o ajuste que Milei vem promovendo”, afirma.
O presidente argentino é o contraponto à gastança kirchnerista (referente à esquerda personificada pelos ex-presidentes Néstor e Cristina Kirchner) que levou o país à crise sem precedentes e à inflação de 25,5% em dezembro.
A redução dos gastos públicos contribuiu para a inflação recuar para 8,8% em abril e 4,2% em maio, o menor resultado desde janeiro de 2022, quando o percentual foi de 3,9%.
Os dados do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), o equivalente argentino do IBGE, também mostram que a inflação acumulada nos últimos 12 meses desacelerou pela primeira vez desde julho de 2023. Isso fez com que Milei cumprisse uma de suas metas de campanha e afastar o país da hiperinflação.
Apesar de o Brasil estar bem distante da ameaça de hiperinflação, debelada há 30 anos pelo Plano Real – inclusive sob críticas do PT que o considerava eleitoreiro -, as incertezas fiscais preocupam e pressionam a inflação, que nos 12 meses encerrados em junho foi de 4,23%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O ponto médio (mediana) das expectativas para o IPCA, a inflação oficial, para 2024 está em 4,02%, de acordo com o boletim Focus, do BC. É a nona semana seguida de alta. As expectativas para 2025 sinalizam para uma alta de 3,88% em 2025, décima semana seguida de alta.
Agostini diz que o cenário brasileiro de desajuste fiscal cria uma espiral negativa, onde os investidores temem perder dinheiro com os ativos e cobram mais caro para financiar a dívida do governo. Isso contribui para a desvalorização da moeda pelo “repasse cambial”, aumento dos juros futuros e inflação. “O mercado não paga para ver. Ele vai se ajustando”.
Argentina aposta em corte de impostos, Brasil em mais arrecadação
O governo argentino trabalha com a perspectiva de corte de impostos em breve. Já a equipe econômica de Lula sustenta sua proposta de equilíbrio fiscal com base no aumento da arrecadação.
Aral, da Genial Investimentos, diz que o déficit nas contas públicas vem aumentando, mesmo com o crescimento da arrecadação. Somente em maio, de acordo com Banco Central, R$ 203 bilhões entraram nos cofres da União, estabelecendo um recorde para o mês na série histórica iniciada em 1995.
“Além disso, o governo tem impulsionado o investimento em alguma alguns setores, principalmente via emenda parlamentar. O Congresso muitas vezes exige contrapartidas que saem do conjunto das finanças do país”, destaca Flávio Riberi, professor da Fipecafi.
Segundo o analista da Genial, o país poderia ter um cenário fiscal mais atrativo se tivesse mantido a meta do arcabouço fiscal para 2025. O objetivo inicial era alcançar um superávit de 0,25% no próximo ano, mas a equipe econômica revisou a projeção para um déficit zero em abril, durante a primeira revisão trimestral do Orçamento.
A mudança, combinada com a manutenção das taxas de juros americanas pelo Federal Reserve (Banco Central dos EUA), contribuiu para que a cotação do dólar saísse da faixa entre R$ 4,90 e R$ 5,05, no primeiro trimestre março e se aproximasse de R$ 5,30, no início de junho. Desde então, o cenário se deteriorou devido a ruídos políticos.
A partir de junho, Lula iniciou uma série de declarações que impactaram diretamente o câmbio, levando a moeda americana a renovar suas máximas, chegando a ser negociada a R$ 5,70 no dia 2, após o presidente atribuir a alta a um “ataque especulativo” do mercado financeiro.
No dia seguinte, após um recuo estratégico de Lula, graças à intervenção do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o mercado se estabilizou novamente, embora ainda em um patamar elevado, próximo aos R$ 5,50. O anúncio do corte de R$ 25,9 bilhões nas despesas obrigatórias, por meio de uma revisão minuciosa nos programas sociais, também contribuiu. Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo consideram essa medida insuficiente para restaurar as expectativas do mercado em relação à regra fiscal.
Deu na Gazeta do Povo